segunda-feira, 28 de abril de 2014

Profissão: mãe

Esses dias eu fui perguntada se estava trabalhando e senti uma puta vergonha de dizer que não. Quase corei, respondi gaguejando. Fiquei remoendo aquilo, era como caminhar com alguma coisa presa dentro do sapato: pequena demais para conseguirmos remover, mas suficientemente incômoda para continuar caminhando. Agora já fazem quase dois anos que não trabalho. Vim fazer o mestrado, depois veio a Malu e vocês sabem o resto. Mas espera aí, como não trabalho? COMO NÃO TRABALHO? Como raio eu respondo que não trabalho? Vá lá, vamos recomeçar. Agora já fazem quase dois anos que estou fora do mercado de trabalho. Fazem quase dois anos que não saio de casa, pego metrô lotado, fico o dia fora comendo mal e recebendo trocados no fim do mês. Aí sim. Fazem quase 2 anos que não sei o que é isso.

Minha mãe vivia dizendo: estou morta! Cansada! E eu nunca entendia. "Mas cansada de quê, minha gente?". Hoje eu tenho que pedir perdão a ela publicamente por ter questionado/duvidado tantas vezes. Ela trabalhava fora e dentro de casa. Chamam de jornada dupla. Eu chamo de múltiplas jornadas, infinitas. Há quase 8 meses estou cansada, alguns dias mais, outros menos. Mas cansada, fisica e mentalmente. São muitas horas extras, turnos trocados e exaustão. Exaustão. Criar alguém é sim um trabalho. Um trabalho fora de esquemas patronais, sem carteira assinada. Talvez trabalho e não emprego, para deixar tudo nos seus devidos termos. 

Maternidade e maternagem vêm ambas ensinando-me uma data de coisas, isso não é novidade. Muitas são óbvias, outras nem tanto. Aprendi que os julgamentos (os dos outros e os nossos próprios) são os maiores inimigos. Já julguei muita gente, muitas mães. Já apontei o dedo, já falei "se fosse comigo não era assim". Mas nada como um dia atrás do outro, nada como vestir a carapuça. Se fosse comigo era do mesmo jeito, se não pior. Talvez a minha vergonha em dizer que "não trabalho" seja fruto do julgamento que faça de mim mesma. Vergonha de dizer que "abandonei a minha brilhante carreira de jornalista" para estudar receitas de papinhas ou ficar aflita esperando um dente nascer. Vergonha de assumir a minha escolha. Vergonha de ser diminuída por fazê-la. Quando eu engravidei, muitos disseram que foi uma pena ter acontecido isso a alguém tão inteligente. Fiquei incomodada, mas não escondi a barriga de ninguém. Não sou vítima da maternidade. Escolhi, apesar da vergonha que me fazem sentir às vezes por tê-lo feito. Escolhi. Uma sorte que outras não têm.

Aprendi ainda que essa ideia divinal de ser mãe é uma treta. Ser mãe é ser bem humana. Há dias em que queremos poetizar, colocar tudo em verso e rimas ricas, mas mãe é muito gente. Passei a ter uma certa aversão àquela imagem sacralizada da maternidade, aquele ar quase etéreo, aquela coisa idílica. Foda-se essa história toda. Mãe come, mãe gosta de sexo, mãe xinga, mãe tem vontade de partir uma louça pra libertar a tensão, mãe cede, mãe não é obrigada. Ser mãe é ser muito real, muito de carneossoelágrimas. Ser mãe é se sentir muito sozinha às vezes, apesar do Zeca Baleiro dizer que "mesmo o mais sozinho nunca fica só".

Isso tudo para dizer que sim, eu trabalho. E talvez precise dizer isso mais a mim mesma do que a vocês. Talvez precise me lembrar que o fato de ser mãe não fez desvanecer o meu bacharelado, os estágios, os contracheques recebidos, as matérias suadas. Talvez precise me lembrar que não abandonei nada, que não há uma coisa em detrimento da outra. Talvez precise me lembrar de responder que sim, eu trabalho, apesar de não ter emprego.

7 comentários:

  1. Outro dia falei sobre isso.. Mãe trabalha e muito, ainda que não esteja baixo a batuta de um empregador com FGTS. Semana passada uma mulher perguntou a minha esposa o mesmo, se ela trabalhava (baixo a batuta de um empregador com FGTS) e ela foi categórica "não, não trabalho". Por opção ou não, acho que cada um leva o barco como quiser desde que não falte amor, saúde e comida na mesa da família (inclua-se @ infante), né? Minha esposa espera voltar ao ritmo do empregado baixo a batuta de um empregador com FGTS, mas acho que cada um na sua, pois mãe em casa, também sua (do verbo suar). E ó, faltou foto da Malu hoje aqui! Não me conformo! rs bjs

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    1. Exatamente. O importante é não faltar amor. Eu vivo assim, mas tem mãe que tem que ir trabalhar fora, tem mãe que vai porque gosta e não há menos amor por isso. Eu também espero voltar, mas espero voltar com o coração tranquilo, sabendo que cumpri meu papel junto à Malu e que não vamos as duas sofrer com isso.
      E ah! No próximo post a Malu volta! hahahahahahaha

      Beijos!

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  2. Ah, o Jorge tem razão! Faltou a foto da Malu aqui sim.
    Pois é... sobre essa história de trabalhar, estou assim como você. Eu me mudei do Brasil depois que me casei, e para isso tirei uma licença sem remuneração no meu trabalho no Brasil (lá sou servidora pública). Daí antes de achar um emprego aqui na Gringolândia, quando me perguntavam no que eu trabalhava eu sempre falava do meu emprego no Brasil, eu não queria dizer que não estava trabalhando. Depois comecei a trabalhar aqui, engravidei e decidi parar. Mas me bate as vezes uma vergonhazinha de dizer que não estou trabalhando - e essa pressão vem de mim mesma! Você tá certa, temos que parar de julgar e dizer para nos mesmas que sim, trabalhamo e muito!
    Beijos, Rita

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    1. Acho que a gente que já trabalhou fora, já teve algum tipo de independência financeira sente como se tivesse retrocedendo, como se fosse menos por ficar em casa. Eu interpreto assim. Mas poxa, estar em casa com um bebê é um mega trabalho! É formar uma pessoa física e mentalmente. Quer trabalho maior do que esse? Temos é que lutar com nossos próprios fantasmas mesmo e reconhecer o valor daquilo que fazemos.
      Beijos!

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  3. Dou maior valor a quem decide cuidar dos filhotes em casa. Minha mãe fez isso até meus 10 anos de idade e sou grata demais por isso, pela oportunidade que tive de conviver tão de perto com ela numa das melhores fases da minha vida. Hoje eu dou graças a Deus por ter um trabalho que vai me permitir ficar muito em casa com meu filhote, tanto eu quanto o pai dele. Primeiro, terei 7 meses de licença, em casa. E depois, nós trabalhamos somente 2 dias na semana e como organizamos nosso horário vamos poder intercalar e ficarmos sempre em casa. Já sei que muito trabalho me espera, muito mais do que em meu emprego formal, mas não abro mão disso. Não tem dinheiro que pague a vivência com um bebê em seus primeiros estágios de desenvolvimento. Força pra vc, Naruna! Teu trabalho é maravilhoso! Beijos!

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    1. Ainda bem que teu trabalho te permite isso! Devia ser assim com todo mundo. Seríamos e teríamos crianças mais felizes.
      É extremamente cansativo, frustrante quando ela não quer comer, mas fico pensando que estou vendo tudo que ela faz, acompanhando de perto todo esse primeiro ano crucial e que nunca vou poder dizer "poderia ter estado mais presente" porque mais presente que isso não há. Tem dias que eu preciso mesmo escrever para exorcizar e relembrar o porquê das minhas escolhas. Força para nós, né? TRabalhamos e ainda vamos trabalhar muito! Beijos!

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  4. Oxe guria, post lindo hein? Eu tenho meus dias caidinha, em que gostaria de estar na ativa, trabalhando no que gosto, mas me dou conta que criar a bezerrinha está sendo uma experiência incrível e que tenho que agradecer por ter essa oportunidade...
    Que fique registrado que com o celular nao consigo comentar, mas nao quer dizer que nao estou lendo e morrendo de rir com teus posts! ;)
    Beijocas

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