sexta-feira, 7 de novembro de 2014

"...ela disse adeus..."



Hoje, 7 de novembro de 2014, fui deixar a Malu na creche e ela me deu tchauzinho. "Diz xau à mãe" e lá ela acenou. Acenou e sorriu com tanta convicção que não havia dúvida, era a hora de eu descer as escadas e vir embora. Vim com a certeza da certeza de todas as certezas do mundo de que ela ficaria bem. Vim e chorei, pela segunda vez desde que começamos nessa empreitada. A primeira foi ao acordá-la para o primeiro dia, há coisa de um mês e meio atrás.

Já há algum tempo eu tinha como meta retornar ao mercado de trabalho quando a Malu completasse um ano. Não era nada mandatório, nada que tivessem me dito para fazer. Era o que eu achava que seria bom para as três cabeças e corações cá de casa. Cheguei a "descogitar" e tentar sabotar a minha deadline, pensei em continuar full time mom por mais um, dois, três anos, mas os últimos meses antes do ano completo foram verdadeiramente complicados. Eu mergulhei na maternagem sem saber nadar e tomei com muitas ondas na cabeça. Várias. Achei que o ideal seria ficar mesmo submersa, sem deixar a cabeça emergir porque "debaixo d'água tudo era mais bonito, mais azul, mais colorido". Mas esqueci que "só faltava respirar, tinha que respirar". Respirar não era deixar de ser mãe, não era ser menos mãe da Malu, era ser só mais um bocado eu, seja lá quem eu seja depois disso tudo. Eu queria mesmo voltar a trabalhar. Eu precisava mesmo voltar a trabalhar. Pelo financeiro, pela sanidade, pelo, pela.

Uma semana depois do nosso primeiro aniversário, comecei a enviar currículos e a creche tornava-se mais urgente, mais presente, mais palpável. Mesmo sem a certeza de nada, achei que ela deveria iniciar a adaptação. Uma separação brusca, assim do dia pra noite, poderia deitar tudo abaixo.

Saltando os pormenores burocráticos de procura por um lugar, preenchimento de papelada, visitas e conversas com diretoras, educadoras e auxiliares, chegava o primeiro dia. Ficaria por 2h30 e esse tempo aumentaria gradualmente até o horário mínimo das creches públicas de cá (6 horas). Conferi a mochila milhares de vezes. Fraldas, toalhitas, mudas de roupa. Era pensar para não pensar.

Acordamos naquele dia e eu fui explicá-la para onde iríamos, o que iria acontecer e que eu iria buscá-la depois daquelas horas. Expliquei e chorei, baixinho, a querer não tentar que a voz ficasse muito diferente. Chegamos e a educadora recebeu-nos com o melhor sorriso de boas vindas que ela deveria ter. A Malu foi ao colo dela, mas não sorriu. Despedi-me dela a sorrir, a dizer que ia buscá-la mais logo. Não sorriu, não chorou. Foi pelo corredor, eu a olhar pela porta de vidro. Não sorriu, não chorou. Não sorri, não chorei. Cheguei à casa e tinha aquelas 2h30 para limpar o que fosse e não pensar. Dada a hora, estava eu em frente à porta de vidro mais uma vez. Veio a Maluzinha a sorrir. Ficou bem, brincou, já tinha até almoçado e tirado um cochilo. "Afinal, isto não parece tão mau!". Fui cheia de confiança ao segundo dia, mas aí não correu tão bem. Ao ver a educadora, agarrou-me a blusa e chorou tanto. Eram lágrimas tão sentidas e cada uma delas navalhava o meu coração, assim dramaticamente mesmo. Foram assim todos os dias a seguir. Pensei que devia ser a maior asneira que eu tinha feito e cogitei desistir, mas ao mesmo tempo tentava passar-lhe segurança, dizia que iria sempre buscá-la, que não iria deixá-la. Curiosamente, apesar de deixá-la ser sempre devastador, levava-a pra casa absolutamente bem disposta, sem parecer que tinha passado horas a chorar (segundo as educadoras, nunca chorou mais que 10 minutos, mas na minha cabeça pareciam horas). E era nesse estado de espírito que me apegava, tentava pensar que claro que a separação era mais dolorosa e que depois disso sim, ela ficava bem.

Quando as coisas pareciam estabilizar, veio a maré de doenças. O último mês foi todo assim. Para cada uma semana de creche, era uma semana e meia em casa a recuperar de virose. O José ficou novamente muito doente. Ela melhorou, foi mais 3 dias para a creche e adoeceu outra vez por mais 5.Todos diziam que era normal, que era assim mesmo, que o organismo dela ainda estava muito indefeso. A mim não me parecia normal, não me parecia saudável tantas doenças em onda. Devia ser um sinal de que eu estava a fazer errado. Imagina se eu estivesse a trabalhar e ela ficasse doente, como seria? Ficaria fora do trabalho uma semana inteira? Se não, com quem deixaria? Incontáveis são as mães que passam por isso e trabalham e tocam a vida. Por que eu não haveria de conseguir? Por que eu estava a encarar a creche como uma vilã sendo que era a minha melhor aliada para eu fazer o que achava que tinha que fazer? Foi todo um contexto muito sensível e mais uma vez o apoio foi fundamental, especialmente o apoio de quem passou/está a passar pelo mesmo. Uma sempre ali a segurar a bola da outra...gratidão é o que tenho a quem esteve comigo nesse (mau) bocado.

Esta semana, depois de mais uns dias de repouso, tentamos retomar a rotina. Esperei o pior por causa dos dias afastada. Mas o pior não veio. Vi Malu a sorrir para as auxiliares, a "chamar" para que lhe fossem buscar, a mostrar a elas o boneco que tinha levado, a acenar para as outras crianças. A minha Maluzinha. Subimos as escadas juntas e hei de guardar na memória a felicidade dela ao ultrapassar cada degrau. Levo-a pela mão até a tal porta de vidro (acho que não contei aqui dos primeiros passos, pois não? :D). Não chora. Ri-se. Hoje, 7 de novembro de 2014, ela "correu" para os braços da educadora, deu-lhe um abraço, deu-me um beijinho e um tchauzinho. Passou pela porta de vidro, feliz. Desci as escadas, feliz. Estou orgulhosa de nós e daquilo que ainda poderemos fazer. Ela disse adeus e poderia não ser nada de especial, mas foi. Foi um adeus seguro, um adeus de "estou bem", um adeus de "Até já! Eu sei que virás me buscar". E irei. Irei e ouvirei que é uma menina muito alegre, muito carinhosa, que explora o ambiente, brinca sem precisar que estejam ao seu lado o tempo inteiro. A minha Maluzinha.

Dito isto, só hoje dou por encerrada a nossa adaptação. Recebi dela o sinal verde para seguir durante estas horas de separação. Não sinto-me a terceirizar a educação dela, não quero que ela vá para lá e aprenda inglês, quero que seja bem cuidada e acarinhada enquanto eu trato do resto.

Hoje, 7 de novembro de 2014, tive a certeza que todo o colo não foi demais, que todo o afago não foi exagero, que nunca estive errada quando dei-lhe a certeza. A certeza de que sempre irei buscá-la, de que vou, mas volto, e de que ela também sempre terá para onde voltar.