quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Baby quê?!?

Eu costumo estar mais ativa na página do Facebook e há alguns dias (ok, semanas) pedi que enviassem-me dúvidas sobre essa coisa do babywearing que eu tanto falo por lá. Como mencionei no post, ia escrever algo pessoal, sobre a minha experiência com os slings e afins, mas achei que valia procurar uma opinião mais profissional. Antes mesmo que eu saísse a chatear a malta, a Gosia Krogulec, que é uma consultora de babywearing super amorosa, simpática e experiente, voluntariou-se para responder às questões. A Gosia é formada da pela escola da babywearing ClauWi®, vive em Portugal, dá workshops sobre o assunto e, além de tudo, carrega o filho de quase 3 anos. Ou seja, usa toda a teoria na vida prática diária.

Não faz ideia do que é babywearing, nunca ouviu falar nesta cena ou até ouviu, mas não imagina o que seja? Sente-se numa cadeira confortável, traga um copinho de água, umas bolachinhas e vem comigo! Vocês já sabem que eu tento, mas não consigo escrever pouco. Consequentemente, não consegui perguntar pouco. Risos.


É A MAMÃE SIM: Gosia, para começar, o que é isso do babywearing? Existe alguma tradução para a expressão? É mesmo uma "moda", como dizem por aí?

Babywearing basicamente é colo com mãos livres. É usar um porta-bebés, ou um xaile ou lenço para suportar o bebé junto ao nosso corpo. Ainda não inventamos nenhuma tradução em português que nos soasse bem: uma tradução direta do inglês seria "vestir o bebé", mas soa um pouco estranho. Aceito sugestões dos leitores para a tradução da expressão! Se é uma moda...eu acho que não. É uma prática comum entre os povos mais tradicionais e é mesmo transversal a todas as culturas do globo. Os bebés humanos precisavam de ser carregados sempre e as mães faziam-no sempre. Nós no mundo ocidental perdemos esta tradição por uns tempos quando nos tornamos uma sociedade de afluência e de consumo (pois logo descobriu-se que os carrinhos de bebé, as caminhas, os parques e as espreguiçadeiras são um rico negócio). 

Nossas férias só foram possíveis graças aos trapinhos!


EAMS: É uma prática totalmente segura? Existe alguma contra indicação seja para o bebé ou para os carregadores?

Para estas perguntas não consigo dar uma resposta generalizada. Em grande parte dos casos em que os pais usam o seu senso comum, sim, é seguro. No entanto, é possivel usar um porta-bebés muito mal, de forma que a utilização pode tornar-se perigosa. É necessário familiarizar-se com a técnica, pois o babywearing sobretudo é uma serie de práticas e não apenas objetos. Isto não quer dizer que é uma coisa muito perigosa, muito pelo contrário. Só quero dizer que temos que ter em conta que o porta-bebé em si não dá garantias de segurança, mas sim a sua utilização correta. 

Contra-indicações gerais não existem; todos os bebés precisam de ser carregados e todos os pais precisam de uma ajudinha para lhes poder dar o contacto que eles necessitam. No entanto, quando há alguma necessidade especial no bebé ou adulto, ou alguma questão postural, aconselho sempre falar primeiro com um profissional de saúde (fisioterapeuta, médico, o que for mais relevante para a situação) e uma consultora de babywearing, para explorar as possibilidades de babywearing e escolher um método que seja mais benéfico para o desenvolvimento do bebé e para a saúde e conforto do adulto. Queremos que a experiência de carregar o bebé seja agradável, prazerosa e livre de desconforto, pois só assim favorece o desenvolvimento do apego entre o cuidador e o bebé. E o apego é absolutamente fundamental, muito mais do que o babywearing em si. Mas o babywearing é normalmente uma grande ajuda :)

EAMS: Quais as principais vantagens para carregador e carregado?

As vantagens são muitíssimas. Em 1º lugar, em termos psicológicos, favorece o estabelecimento de apego saudável entre o bebé e a mãe. Proporciona para o bebé um ambiente emcionalmente seguro para observar o mundo, ele passa a chorar menos, dormir mais e melhor, e passa mais tempo em estado de "calmo alerta", o que facilita a aprendizagem e o desenvolvimento neurológico. Favorece o desenvolvimento muscular, pois o bebé está na posição vertical, mas apoiado pelo tecido e a posição faz com que trabalhe os músculos do tronco sem sobrecarregar a coluna. Ele tem uma certa liberdade de movimentos, podendo levantar a cabeça quando puder e quiser e descansar quando precisa. Apoia o desenvolvimento correto das ancas e pode ajudar no tratamento de displasia. Em recém nascidos que ainda não estabilizaram as funções rítmicas do corpo (ritmo cardiaco, respiração, digestão, entre outros) o contacto com o corpo do adulto ajuda a fazê-lo. O próprio movimento do nosso caminhar também ajuda a estabilizar essas funções. E, com um porta-bebés naturalmente temos mais liberdade e mais facilidade em nos movimentar e acabamos por fazê-lo durante muito mais tempo. O nosso movimento também dá um importante estímulo vestibular: os movimentos complexos que o bebé colado ao nosso corpo faz ajudam-no a desenvolver melhor a percepção espacial e a própriocepção - a percepção do seu próprio corpo. Acho que o babywearing proporciona mesmo o ambiente ideal para o desenvolvimento do bebé.

Para o carregador o babywearing significa mãos livres para outras tarefas e outros filhos, maior liberdade de movimento fora de casa (sem a necessidade de andar com o carrinho em terreno difícil que são as nossas cidades). Para a mãe, o babywearing ajuda na amamentação, o contacto constante dos dois corpos estimula a produção de leite. Com o babywearing é mais fácil sair de casa e manter o mínimo da vida social e o seu bebé feliz - tudo que a nova mãe precisa!

A Gosia em um dos workshops que ministra Fonte: fanpage Carregados de Amor


EAMS: Existe um verdadeiro universo de porta-bebé à disposição no mercado. Já se sabe que nem todos são adequados ou ergonómicos. Posto isso, como reconhecer um porta-bebé ergonómico?

Resumidamente, um porta bebé ergonómico nunca é rígido e é feito num material que se adapta ao corpo do bebé e do carregador - tecido ou malha. No caso de porta-bebés estruturados, é importante que a largura do entrepernas seja suficiente para apoiar as pernas de joelho a joelho, não mais nem menos. Basicamente, deve possibilitar que o bebé esteja apoiado numa posição fisiologica, ou seja, uma posição que ele seria capaz de adoptar por ele próprio. Em caso de bebés no 1º ano de vida, isso quer dizer, regra geral, uma posição com pernas ligeiramente abertas e bem fletidas, e costas ligeiramente arredondadas. Para tirar o máximo proveito de vantagens do babywearing e assegurar a posição saudável do bebé, recomendamos carregar bebés sempre na vertical. Devemos ter em conta que a medida que o bebé fortalece a sua musculatura, as costas endireitam-se progressivamente. O elemento mais importante da posição que devemos ter em conta é a flexão das pernas, com joelhos ao nível do rabo ou ligeiramente acima (depende do porta-bebé). Essa posição em si induz uma ligeira báscula da bacia, que por sua vez assegura que a coluna esteja livre de pressões. É muito importante também ajustar bem o porta-bebé, para que as costas fiquem apoiadas e o bebé não fique afundado no porta-bebé.

(Para ler mais sobre o assunto, recomendo o este post da Gosia no blog Apertadinhos!)



EAMS: Por que a posição horizontal, ou seja, com o bebé deitado, não é recomendada?

Esta posição pode parcialmente fechar as vias aéreas e dificultar a respiração. O tecido do porta-bebé, se houver em excesso, pode também fechar-se e tapar a cara do bebé. No caso de um recém-nascido, que ainda não respira com regularidade, pode haver algum risco de asfixia. 

Eu não gosto de parecer ser do contra, e desde que trabalho com consultora deparo-me com situações algo delicadas com algumas enfermeiras que aconselham as mães o uso da posição deitada. Desenvolvi uma estratégia que basicamente consiste apenas em falar de vantagens do babywearing na vertical e não de perigos da posição deitada (que as tais enfermeiras interpretam normalmente com um ataque). Basicamente, carregar o bebé em posição deitada, mesmo sem a posição afundada e com queixo no peito, não permite tirar o proveito de várias vantagens do babywearing que a posição vertical proporciona: o desenvolvimento muscular, o estímulo visual, a posição da anca, o contacto pele com pele, e muitas mais. Também impossibilita que o bebé seja carregado nas costas e mesmo na frente desloca mais o centro de equilibrio da mãe e não favorece tanto a boa postura (tão importante no pós-parto!).

EAMS: Quais os tipos de porta- bebés ergonómicos e quanto é que se pode gastar, em média, para adquirir um?

Pouch sling (que pode ser usado na posição vertical)

Fonte: Google

Sling de argolas (ring sling)

Pois é, o José é um poser que deus me livre!


Pano elástico (wrap sling)

Fonte: Google

Pano tecido (woven wrap)

Meu pano de sonho atualmente <3  Fonte: fanpage Artipoppe 

Mei-tai


Mochila ergonómica (com fivelas) 

Fonte: facebook do José poser


Os preços variam imenso. Um pano ou sling de argolas de qualidade decente pode adquirir-se a partir de uns 40€. Existem mais baratos, mas normalmente a qualidade deixa muito a desejar. "Gasto médio" nem sei se existe...há porta-bebés muito, muito caros, mas não é necessário gastar muito dinheiro para fazer babywearing com conforto. Visto que um marsúpio não ergonómico custa por volta de 100-150€, é possivel gastar bem menos num dispositivo ergonómico.

EAMS: Até que idade se pode carregar um bebé?

Até quando bebé/o carregador quiserem. Sempre num porta-bebés adequado à fase do desenvolvimento - para poupar as costas do bebé, quando está pequeno, e as nossas quando está grande!

EAMS: O que uma família deve considerar antes de comprar o primeiro porta-bebé (e apanhar o vício hahaha)?

Deve considerar a fase de desenvolvimento do bebé, o seu estilo de vida (se costuma fazer caminhadas, se anda muito de carro, se caminha pouco, se vai ser só 1 pessoa a usar o porta-bebés ou várias, se tem elevador no prédio, etc), as suas preferencias pessoais e escolher um porta-bebés que é uma espécie de compromisso entre estas três variantes. A Julia Wronikowska, que também é consultora ClauWi® escreveu um excelente artigo sobre este assunto.

EAMS: E qual o papel de uma consultora no meio disto tudo?

É uma pessoa que pode ajudar na escolha do porta-bebés mais adequado para cada família, assistir na aprendizagem da amarração no caso de porta-bebés que exigem alguma prática - pano e sling de argolas, informar sobre as formas de utilização mais benéficas para a dupla carregador/bebé e esclarecer outras dúvidas. Neste momento, em Portugal há consultoras de diferentes escolas de formação e cada uma tem os seus pontos fortes. A minha escola de formação é a ClauWi. O que eu gosto nessa escola é o foco na análise, como diferentes amarrações com pano e diferentes porta-bebés afetam a posição do bebé e postura do carregador. Assim, sabendo os princípios, temos conhecimentos transversais que podemos aplicar a qualquer porta-bebé e qualquer família. 

Fonte: fanpage Carregados de Amor


EAMS: Que conselho você daria para alguém que está a pensar em adentrar o mundo do babywearing, mas ainda não tem certeza se vai adaptar-se?

Por vezes as pessoas têm ideias erradas sobre o que é o babywearing! Alguns pensam: é marsúpios, outros pensam: é slings, outros pensam: é aqueles panos grandes coloridos para hippies. O meu conselho é: babywearing é muita coisa e há algo adequado para cada pessoa! Não tenham receio de experimentar, para adaptar-se basta querer.


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Eu digo-vos uma coisa: quando se apanhao bichinho, é difícil largar! 
Além dessas vantagens todas, os panos e mochilas são lindos e feitos de materiais livres de tóxicos (para os bebés colocarem a boca à vontade). Vou deixar aqui uma lista de links úteis para quem quiser aderir à "loucura".

Carregados de Amor - A Gosia tem uma loja online onde vende trapinhos maravilhosos de marcas conceituadas no assunto. Há também a fanpage  para quem quiser saber dos próximos workshops ou, quem sabe, marcar uma consulta. Ela e a Alexandra Maia, outra consultora querida, amorosa e simpática (é verdade, as duas são!), estão disponíveis para ajudar.

Apertadinhos.com - Um blog muito catita (adoro esta expressão!) todinho sobre babywearing e em português!

Mamã Natureza -  A Mamã Natureza tem porta-bebés lindos de morrer e feitos em Portugal!

Mãe ao Cubo - A Mariana é mãe de 3, gente como a gente, e relata na página o dia a dia com o babywearing. Ultimamente tem feito uns tutoriais muito interessantes de portes!

Kaïté de Psicolor- A Kaïté é uma inspiração em muitos sentidos. Tem uma marca maravilhosa de porta-bebés, a Psicolor, e posta fotos que dá vontade a uma pessoa ter centenas de filhos. Ok, dezenas.

Wrap you in love - Esta senhora é uma deusa do babywearing e tem um cabelo de arco-íris. Como é que não pode ser maravilhosa? Os tutoriais são ótimos para quem quer aprender desde o mais básico até amarrações elaboradas.

MiddleMarker - Uma reunião de consultoras que dinamizam workshops pelo país e ajudam a espalhar ainda mais a magia do babywearing.


Podia deixar muito mais, mas o post já virou uma bíblia. Podem levantar o rabinho da cadeira agora, arranjar um paninho, colocar o bebézinho ou o bebezão e sejam felizes. Bom babywearing!

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Desculpem o transtorno; preciso falar sobre a Ava

Os dia 11 estão sempre a cruzar o meu caminho de alguma forma. Cabalisticamente, predestinadamente coisas importantes acontecem nesta data. Em mais um desses dias, no verão de 2015, eu descobri que ela viria completar a nossa equação tão matematicamente imperfeita. Confirmei. Era o primeiro dia do atraso do primeiro ciclo de tentativas. Segurei o primeiro xixi da manhã (não recomendo por motivos óbvios) e fui à farmácia buscar um teste. O segundo risco apareceu forte, sem margem para dúvidas. Que euforia! Que medo! Aliás, quanto medo tive! Medo de ser uma gravidez química, uma gravidez ectópica, medo de um aborto espontâneo, do hipotiroidismo complicar as coisas, medo, medo, medo. Foi a segunda gravidez, mas a primeira vez que tive tanto medo.

No dia em que ouvimos o coração pela primeira vez, recebi uma proposta de emprego. O dia de ir buscar o relatório da ecografia? O mesmo em que a Malu completava 2 anos. Tudo tão milimetricamente entrelaçado. O universo não trabalha com acasos.

Eu sabia que era ela. O José desde sempre disse que era uma menina. Eu queria Cléo. Para mim, ela era Cléo. Ele não concordava, não queria, não gostava, não soava bem. "Por que não gostas de Cléo?", questionava eu na cama, enquanto víamos o jornal, enquanto jantávamos, sempre. "Cléo não". Em um dos almoços no trabalho, uma colega falou da sobrinha, a Ava. "Como é o nome dela?" "Ava", ela repetiu. Fez-me um clique. Era estranho, incomodava-me e agradava-me ao mesmo tempo. Fui pesquisar. "A desejada". Fiquei eufórica. Mal falei ao José e ele disse que sim, era ela. Não era a Cléo porque era a Ava.

No dia em que ela chegou, um 22, curiosamente o dobro de 11, já nos conhecíamos, eu sei, já nos tínhamos topado em uma outra vida qualquer. O olhar, meu deus, o olhar sempre foi de quem sabe. Veio para casa e parece que esteve sempre aqui. Estávamos e ainda estamos em adaptação, mas ela esteve sempre aqui.

Dizem-nos com muita frequência que ela e a Malu são muito parecidas. Impossível. Talvez por convivermos com as personalidades tão distintas, temos convicção de que elas não poderiam ser mais diferentes. Enquanto a Malu trocou-nos as voltas todas, Ava nasceu com um reloginho. E eu que achei que isso não fosse possível! Até a forma de mamar de uma não tem nada a ver com a outra, sou a prova viva.

Ava, a desejada, é o meu oásis no meio de tanto caos. Tem o melhor dos cheiros, raramente fica mal disposta e os olhos brilham quando eu apareço. Eu, o pai, a Malu ou a Meg. E ela ri-se. Ri-se. É um pacotinho quentinho de amor que eu carrego quase sempre ao peito (ou às costas). Ava, a desejada, é também Bebézinha, Pequenina, Piquí, Piquichiquí (contribuição da Malu) ou Bicufi (contribuição do pai). Ava, a desejada, veio na hora certa e nós as duas sabemos disso, mesmo que os dedos tenham sido apontados, mesmo que estejamos no olho do furacão.

Em mais um dia 22, ela faz 5 meses, como o 5 que cantei, inspirei e expirei a gravidez inteira. Tudo certo sim, como 2 e 2 são 5.


terça-feira, 30 de agosto de 2016

3

Minha filha, anda tudo muito esquisito. O mundo dos adultos é sempre muito esquisito, na verdade. Não tenhas pressa de crescer. A vista aqui de cima dá vertigem muitas vezes, faz o estômago embrulhar e só temos vontade de pedir colo, tal como fazes. A diferença é que dizem que somos grandes demais para colos.

Perdoa-me se gritei demais, se brinquei de menos, se nem sempre atendi quando me chamaste nesses últimos tempos. É o que eu digo, ser adulto é uma chatice. Preferimos ficar com o rabo colado no sofá em silêncio do que correr e gritar atrás da Meg. Perdoa-me se fui e continuo a ser muitas vezes incapaz de acolher a tua crise, o teu choro. Esqueci-me de como é ser pequenina, como é deitar tudo o que se sente cá para fora. Sabes, a tua mãe aprendeu a calar, a engolir o choro, a baixar a cabeça, não confrontar. Quando despejas tudo o que não consegues suportar, irrito-me, fico frustrada. Queria que fosses como eu.
Não, não queria.
Não quero.
Teu choro é legítimo e eu estou a aprender a não silenciá-lo. Perdi um pouco da minha voz, estou a correr atrás dela e não me posso admitir calar a tua desde tão cedo.

Obrigada por seres uma irmã mais velha tão incrível para a Ava. Às vezes só enxergamos os ciúmes, mas vai tão além...Seguras naquela pequena mãozinha quando ela chora e dizes "Calma, a Malu está aqui". O que mais eu posso cobrar de ti?

Eu reclamo, debato-me com as minhas escolhas, minhas crenças, arrependo-me para depois desarrepender-me. Talvez só entendas essa parte em um futuro bem distante ou sequer entendas, mas sou grata pelos eixos que reorientaste em mim desde que chegaste.

Obrigada pelo todo dia que me dás há 3 anos. Nunca chorei tanto. Nunca frustrei-me tanto. Nunca amei tanto. Nunca fiquei tão triste. Nunca fui tão feliz.

Teu 31 de agosto passou a ser o meu divisor de águas. Ora tempestades, ora calmarias, sempre a navegar. Porto (in)seguro somos nós, filha.

Amo-te.
Feliz vida.
Obrigada. Obrigada.


quarta-feira, 25 de maio de 2016

"Dentro do mar tem rio, dentro de mim tem o quê? Vento, raio, trovão, as águas do meu querer" - parte 2

Dia 22. Em algum momento da madrugada, senti uma contração dolorosa, porém suportável. Estava meio a dormir, meio acordada. Pensei que tivesse sonhado e ferrei no sono outra vez. A Malu veio da cama dela aninhar-se no meu pescoço. 

Outra contração. "Acho que afinal é verdade!". Tentei, mas não consegui mais adormecer, não pela dor, mas pela excitação. 7h e qualquer coisa já não conseguia estar deitada. "Tás bem?". O José despertou comigo a levantar da cama. "Estou com contrações, mas calma que ainda estão irregulares e espaçadas". Saí do quarto e fui arrumar coisas, tenho sempre coisas para arrumar. As contrações ali. Suportáveis. Respira. Decidi monitorar com o aplicativo que tinha baixado semanas antes. Estavam regulares sim, duravam 45 segundos e vinham a cada 10 minutos. Ri que nem uma tolinha na frente do espelho. "Quem é que está com contrações dolorosas e regulares, quem é?" dizia a mensagem que enviei à Diana. Tomei banho. José e Malu levantaram. Meu pai, que tinha acabado de chegar à Portugal para uma temporada de espetáculos, ligou.

De acordo com o nosso plano, eu já iria ao hospital naquela manhã mesmo para ser novamente avaliada. A diferença é que agora, aparentemente, eu iria para ficar. Fui me preparando. Ao invés de ir para a creche, a Malu ficaria com os meus sogros porque, nunca se sabe, poderia ser um parto longo. "Ai, ainda vai demorar", eu pensava. Entre uma contração e outra, arranjei-a e expliquei mais uma vez o que iria acontecer. "Filha, vais ficar na casa da vovó e do vovô hoje, tá bem? A Ava vai sair da barriga e vem ficar conosco". Ela não queria, chorava. "Em um parto domiciliar não teríamos essa preocupação...". "Ai, ainda vai demorar. Pode nem ser hoje", mas sabendo que precisaria de energia, tomei um café da manhã reforçado, sem medo de ser feliz: cuscuz de milho.

Saímos de casa depois das 10h com mala e Malu. Contrações. Até a casa dos meus sogros, eram 25 minutos de carro. Contrações. Ficaram mais intensas no caminho. Chegamos. Minha mãe ligou. "Mãe, tenho contrações!". Deixamos a Malu entretida com os brinquedos. "Vai correr tudo bem. Uma horinha muito pequenina para ti". "Ai, ainda vai demorar", eu pensava. Seguimos para o hospital. As contrações pareciam ter espaçado, ficado irregulares. "Deixa essa mala no carro. Ainda vai demorar. Vais andar sempre com essa coisa atrás?". Um José muito teimoso decidiu levar a mala e responsabilizar-se por ela. "Não sei pra que...ainda vai demorar...", ia eu bufando até a entrada das urgências. 

11h e mais qualquer coisa. Fui admitida. "Romana Vieira?". Um médico de ar muito simpático veio me buscar à recepção. "Tem dores?" "Algumas, nada de mais". "Olha, é a Romana!". Aparentemente, fiquei famosa por ter fugido de mais uma indução no dia anterior. "41 semanas e 2 dias...muito bem. Vamos ter que deixar até às 43" "Se estiver tudo bem, eu não me importo nada!". Andávamos ali a brincar e eu já convencida que viriam outra vez falar em indução. Esperei ter apenas uns 2 cm de dilatação. "Ora vamos ver...isso está muito bem encaminhado! 4 cm e colo permeável, macio. A senhora já vai para sala de partos!". "WHAT??? 4 cm???? Meu Deus!". As lágrimas começaram a escorrer. Sorria tanto que não conseguia fechar a boca. Fui encaminhada para o CTG. O José entraria quando fosse para a sala de partos. "Não acredito!". Quem estava a fazer as admissões no CTG? A enfermeira Augusta! "Não acredito!". E cumprimentei-a com tanta efusividade, tanta felicidade. Por vê-la, pelo meu corpo ter "respondido".

Estar deitada em uma marquesa com cintas atadas à barriga é tudo o que menos se deseja quando se tem contrações, mas nem me importei. "Eu vou ficar! Tenho 4 cm de dilatação!", dizia a mensagem ao José. A mesma coisa para a Diana. "Meninas, estou em trabalho de parto!" foi o que enviei no Whatsapp para a Lívia e a Irina, colegas de universidade, amigas da vida e com quem partilhei a angústia das últimas semanas. Precisava partilhar aquilo com as pessoas, precisava que elas ficassem felizes por mim também. No parto da Malu, passei por tudo sozinha praticamente. Éramos eu e o José ali e não quis que ninguém soubesse de nada até ela estar nos meus braços. Foi um bocado egoísta, talvez, mas não queria gerar expectativas, ansiedade. Dessa vez, desarmei-me. Precisei de suporte, de "vai dar tudo certo, vai correr tudo bem". Precisei da Irina dizendo que estava rezando para Nossa Senhora do Bom Parto, apesar de eu ser muito pouco católica. Da Lívia fazendo piada, mas também dando força. Da Diana orientando-me a pedir proteção para o anjo Miguel. Ela enviou-me a foto de uma vela. "Só será apagada quando a Ava nascer". Enviou-me mais uma foto. "Hoje é Dia da Terra!".



"A senhora vai querer ocitocina?" "Não!". O médico andava a fazer o meu internamento. Eu só queria que o corpo continuasse a fazer o seu trabalho. Combinamos então que seria reavaliada às 14h e decidiria o que fazer a seguir, se fosse preciso fazer algo. "O plano...o plano de parto!". Lembrei-me dele! "Enfermeira, eu tenho um plano de parto! Está com o meu marido!". Foram buscar. O médico leu, aprovou. Pudera, não tinha nada de absurdo ali. O documento seguiu junto com o processo. "Vamos?". Eu e uma enfermeira fomos buscar o José...e a mala. Troquei de roupa. 13h05. 


"Vai almoçar porque ainda vai demorar". O José foi comer. Puseram-me a primeira dose do antibiótico. Como tive uma infeção urinária por streptococcus durante a gravidez, fiz para minimizar o risco da Ava ter uma sepsis neonatal. A próxima dose seria dali a 4 horas. Mesmo com medicação intravenosa, conseguia ter mobilidade. Arranjaram-me um suporte móvel e lá ia eu pelos corredores. Tinha de fazer a minha parte, eu sabia. José de volta. Acabou o soro. Pedi uma bola de pilates. Básculas, agachamentos. Contrações, contrações, Estavam mais intensas, mas eu aguentava.



14h15. Mudança de turno. A enfermeira Augusta veio despedir-se. "Ficas em boas mãos" "Eu sei". Fui buscar Maria Bethânia no Spotify. Passei a gravidez ouvindo "Dentro do mar tem rio", que é meu CD favorito dela. Tem cheiro da casa da minha mãe aos domingos. Ela ouvia enquanto me obrigava a ajudar na faxina, algo que nenhuma preguiça adolescente tolera. 


Um mar de sim e de não
Dentro do mar tem rio
É calmaria e trovão
Dentro de mim tem o quê?

Dentro da dor a canção
Dentro do guerreiro flor
Dama de espada na mão
Dentro de mim tem você


14h30 mais ou menos. Vem a enfermeira Francisca apresentar-se. Ficaria conosco aquele turno. Dali a uns minutos viria também a enfermeira Cristina para avaliar o progresso. Eu não fazia grande ideia da regularidade das contrações, só da intensidade. Deixava-as vir e sentia. Nos intervalos, dançava Beyoncé e vagueava pela timeline do Facebook. "Liga pro teu pai pra saber da Malu". Ela estava a fazer a sesta.

Perto das 15h, vieram fazer o toque e uns minutos de CTG. 5cm de dilatação, colo extinto. Muito bom. A enfermeira Cristina perguntou como eu me sentia e se, apesar de estar expresso no meu plano de parto o contrário, pretendia ocitocina ou amniotomia. "Não, obrigada. Vou continuar assim". "E quer tomar alguma coisa?". Vinha bebendo muita água, mas..."Pode ser um chá". Apesar de só ter tomado café da manhã, nem pensava em comer. Santo cuscuz! O José foi tomar um café. Deixaram as luzes mais fracas e deitei um pouco para descansar. Foi aí que veio a primeira contração capaz de me desestabilizar. Foi longa, perdi um pouco o controle, o ar. Era impossível continuar na cama. O José voltou. Mais uma. "Faz-me a massagem na lombar! Depressa!". 

Saí da cama e fui para a bola. Ainda tinha o CTG, mas ao menos conseguia ter mobilidade. Os intervalos foram ficando menores, a dor cada vez mais lancinante. Respira. Respira. Às vezes pegava no telemóvel, mas não conseguia ver mais nada. Comecei a desligar. "O que eu posso fazer? O que eu posso fazer para me ajudar?". Vocalizar, claro, vocalizar. A dor vinha e eu deixava que ela fluísse até a garganta. "Aaaaaaaaaaaahhhhh ahhhhhhhhh ahhhhhhhhhh". Eu tenho uma dificuldade normalmente de falar o que sinto, usar a voz, mais facilmente uso a escrita. Nesse dia, vocalizei, exorcizei. Trouxeram o chá.



Os intervalos entre as contrações já eram praticamente inexistentes. Falavam comigo e eu não conseguia responder, mas a cabeça não parava. Só murmurava pelo José para que ele não parasse de fazer a massagem. Eu não aguentava, não podia, queria descansar. Uma contração e a vontade de fazer força. Aliás, a força veio por ela, não conseguia controlar, o corpo falava sozinho. "Enfermeira, estou a fazer força. Tenho vontade de fazer força" "Como? Mas eu acabei de examinar...não é possív...Respire, Romana, tenha calma. Se tiver vontade de puxar outra vez, avise". Eu sempre em cima da bola de pilates.

Eu não aguentava, não podia, queria descansar. "Enfermeira, eu quero a epidural!". Quase berrei. Tinha cedido outra vez. Não queria, mas não aguentava, não podia. A enfermeira Francisca baixou-se até o nível dos meus olhos, segurou nas minhas mãos. "Romana, não se sinta a falhar, não fique triste. Você tem sido muito forte. Não fique dececionada consigo, está bem?". Não conseguia responder, tinha vontade de chorar. Foram chamar a anestesista. Contrações. Sentia o corpo a abrir, a queimar. "Está na fase ativa".



Invoquei o anjo Miguel. Não comunicava. Era um esforço enorme. A anestesista chegou e começou a dar uma palestra. Entre uma contração e outra, tentava me explicar o que implicava a epidural, os efeitos. Perguntou se eu era capaz de ficar quieta durante a introdução do catéter. Acenei que sim. Não, não era. Por último, disse que era preciso ainda fazer uma análise rápida ao meu sangue porque minha última contagem de plaquetas estava baixa, o que impediria o uso da anestesia. Coisa rápida, em 15 minutos teria o resultado. Colheram-me sangue. Ela muito calmamente levou-o. Eu estava a desesperar. Tinha perdido totalmente o controle da respiração, da vocalização. E mais uma vez a força. Vinha não sei de onde, fazia-se sozinha. "Está a puxar? Sente vontade de fazer força?". Novamente eu não respondi, sequer conseguia articular palavras. 

Lá estava a força. Cravei as unhas no meu joelho, triquei os dentes. Não doía mais, era só força. O José estava atrás de mim, mas eu nem dei conta. Começaram a preparar a sala. "A pediatra que venha para receber o bebé". Pediatra? Não, ainda vai demorar. Força, Força, "Romana, consegue passar para a cama para examinarmos?". Não conseguia. Estava colada na bola. "Romana?" "Amor?". Assim que fiz menção de levantar, a bolsa rompeu. Foram os 3 passos mais difíceis que dei até hoje. Cheguei à cama, a anestesista apareceu do meu lado. "Parece que já não precisam de mim, pois não?. Riu-se e sumiu da mesma forma que apareceu. Ela sempre soube que não ia dar tempo, sabia que eu não queria aquilo.

"Ponham-me na vertical! Não quero estar deitada! Não quero!". Subiram a cabeceira ao máximo, o José apoiou as minhas costas. Força. Força. Silêncio. "Ela já está quase aqui!". O círculo de fogo. "Quer sentir a cabeça da sua bebé?". Estava mesmo ali. Força. Força. O corpinho escorregou. "EU CONSEGUI!". A enfermeira Francisca desfez a circular de cordão que ela tinha no pescoço e colocou-a no meu colo. 16h38. Chorei que nem criança. "Eu consegui! Eu consegui!". Não parava de repetir. "Conseguiu sim!". Os olhos dela estavam marejados por trás da máscara. Nunca me vou esquecer. "Eu consegui! Eu consegui!". O José cortou o cordão depois que este parou de pulsar, tal como descrevemos no plano. Dia da Terra, dia do Descobrimento do Brasil, dia da Ava. 3,310kg, 50 cm, um cabeleira incrivelmente vasta e olhos cinzentos.



Agarrou-se à mama de imediato. Nasceu a placenta, a laceração foi superficial. O José mandava videos para minha mãe, para o meu irmão. Eu ria. Eu rio. "Caramba, que loucura!". Fiz selfies, fiz videos. Era só adrenalina a correr nas veias. Ficamos ali 2h, 3h antes de ir para o internamento. Eu só ria. Eu consegui!



EU CONSEGUI!


terça-feira, 24 de maio de 2016

"Dentro do mar tem rio, dentro de mim tem o quê? Vento, raio, trovão, as águas do meu querer" - parte 1

Vamos esquecer aquela parte em que eu disse que voltava por aqui antes da DPP? E também aquela em que eu sou uma cretina por responder aos comentários com meses de atraso? Vamos apenas lembrar que vocês são maravilhosos por continuarem a ler o que escrevo. Muito amor, sério.

Pois é, vocês leram o título direitinho. Quem acompanha também a nossa página no Facebook já estava por dentro dos acontecimentos. Menina Ava já está cá fora há mais de 1 mês! Já como quem diz porque a coisa toda foi um bocadinho demorada...Entre o último post e a fase em que estamos agora cabe muito bem aquela música do Cidade Negra: "Você não sabe o quanto eu caminhei pra chegar até aquiiiiiii". O arquivo de textos mentais só cresce e um dia eles vão brotando. Por hoje, vou deixar o relato, a primeira parte dele. Senta, pega a sua aguinha e vem com tempo porque tem textão.

Passados uns bons meses do nascimento da Malu, eu voltei a remoer o parto. Achava que toda a minha questão estava em ter "falhado" e pedido a epidural. Ledo engano. Comecei a lembrar de detalhes daquele dia com mais clareza, resgatei o meu boletim de grávida com o registo prontuário, li muito sobre os protocolos a que fui submetida e dei-me conta que, mesmo me achando esclarecida, houve abuso obstétrico sim. A princípio disseram que eu tive uma laceração: foi uma episiotomia. Um corte torto, dolorido e que levou boas semanas a cicatrizar. Fizeram-me a manobra de Kristeller. Dei entrada no hospital ainda em pródromos, o que levou ao uso de ocitocina no "sorinho" e eu pensei que fosse glicose...Na última consulta antes da Malu nascer, o médico fez o descolamento das membranas sem o meu consentimento. Só descobri depois porque aquele toque tinha sido mais doloroso que os anteriores. Pedir a anestesia foi só uma consequência dessa cascata de "situações". Na sala de parto, haviam, pelo menos, 8 pessoas além de mim e do José. Enfermeiras, obstetras, estagiárias, pediatra...um aparato que não fazia qualquer sentido no caso de um parto sem quaisquer complicações. Ali eu era "mamã", a utente do processo número centoecinquentaequalquercoisa. 15 dias depois, quando fiz o relato, parecia tudo normal. Eu estava bem, a Malu também, mas havia algo, algo que me fez andar sempre às voltas com o assunto.

Quando engravidei da Ava, o meu objetivo era desfazer o nó que eu tinha na garganta, desatar, lavar a alma, como dizem. Estudei mais, fui atrás de informação, das minhas opções. Teria novamente um parto hospitalar, mas as coisas não seguiriam o mesmo curso simplesmente porque eu não deixaria que seguissem. "As águas do meu querer". Uma das primeiras coisas que eu sabia que tinha que mudar era a minha postura, eu precisava mostrar aos profissionais de saúde com quem eles estavam lidando, que eu não estava ali de enfeite e tinha sim voz ativa. Isso não precisava ser feito de forma arrogante, nem de longe. Pedi a capa de boletim de grávida da Associação Portuguesa Pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto e foi a minha forma bastante sutil de "demarcar território". Pode não parecer nada, mas o boletim é o documento mais importante que temos durante a gravidez. Dezenas de profissionais tiveram o meu nas mãos e consegui suscitar a curiosidade de vários deles. No mínimo, paravam para ler os direitos que vinham impressos na capa. Sim, eles sabiam que eu sabia.



O segundo passo foi decidir o local do parto. Tive boas impressões da Maternidade Júlio Dinis a princípio, mas depois as coisas não correram bem como eu queria. Além disso, recolhi vários relatos de violência obstétrica lá. Era de fugir. Continuei a ter lá consultas, inclusive com um endocnologista por conta do hipotiroidismo, mas sabia que tinha um lugar melhor para receber a Ava...Tecnicamente, em Portugal, podemos parir em qualquer hospital público, mesmo que esteja fora da nossa zona de residência. Segura dessa possibilidade, recorri ao Pedro Hispano. Pelas 30 semanas de gestação, eu e o José visitamos o hospital e tiramos as dúvidas. Entrar naquele local foi sentir-me abraçada, acolhida. Não tem a estrutura mais high tech de sempre, mas tem receptividade, tem afeto e tem respeito. Estava escolhido. Estava mesmo escolhido.

Outro ponto crucial foi o plano de parto. Na primeira gravidez não fiz por desconhecimento. Dessa vez, dediquei dias a ele. Esmiucei cada procedimento, cada processo, cada desejo meu para a chegada da pequena. Era preciso ser realista.  Um plano de parto não é um planejamento inflexível, um registro de excentricidades. É, acima de tudo, um documento que promove o protagonismo da mulher quando ele tem que estar no seu clímax. No meu caso, já sabendo que estaria em ambiente hospitalar, precisava me esquivar e proteger das intervenções desnecessárias, dos protocolos pouco simpáticos. Pedi que o José estudasse-o também para que decidisse quando e se eu não o pudesse fazer. Antes de qualquer peça de roupa, eu tinha o plano de parto dentro da mala da maternidade.

Como todo o resto da gravidez, as últimas semana correram bem. Estive ativa, tranquila, carreguei a Malu para cima e para baixo. Desde 20 semanas, tinha contrações de treinamento e elas foram ficando mais insistentes. A partir das 37 semanas, era vista todas as semanas. 37, 38. Saí de uma das consultas, fui fazer compras e encontrei uma pessoa que há muito procurava. A enfermeira Augusta foi uma das facilitadoras do curso de conselheira em aleitamento materno que fiz e é enfermeira obstétrica no Pedro Hispano. É uma pessoa adorável, cativante, que tem mesmo amor pelo que faz. Andava ao tempo tentando encontrar o número de telefone dela para dizer que estava grávida e que teria lá a bebê. Sei lá, era um rosto amigo. Encontrei-a naquele dia em uma loja e senti-me imediatamente segura. Ela poderia nem estar de serviço no dia do meu parto, mas soube assim que ela me sorriu: ia correr tudo bem.



39, já estava perdendo o rolhão mucoso há uns dias, mas em pouquíssima quantidade. "Vamos fazer o toque para avaliar o colo do útero". Colo macio, intermédio, 1 centímetro de dilatação. Notícias animadoras, as coisas estavam progredindo. 40. "Sente alguma coisa? Contrações? Cólicas?". Nada, não sentia mesmo nada. Não fosse o peso da barriga, parecia ter umas 25 semanas de gravidez só. Novo exame, tudo igual. O que na semana anterior era animador passou a ser não tão bom assim. "Está tudo um bocadinho atrasado...". E aconteceu outra vez, como há quase 3 anos: marcaram-me a indução para quando completasse 41 semanas. Se não entrasse em trabalho de parto até lá, deveria dar entrada pelas urgências do hospital dali a 7 dias. Provocariam o parto com um comprimido de prostalagdina. Iniciaria artificialmente e as chances de intervenções eram maiores. Mesmo com o reconhecimento da Organização Mundial de Saúde de que uma gestação normal pode ir até 42 semanas, os partos no sistema nacional de saúde português são induzidos às 41. Saí da consulta perdida,  arrasada. O José e a Malu estavam comigo. Cheguei ao carro e desabei. Toda a confiança que construí foi deitada abaixo com o olhar decepcionado da obstetra. As coisas estavam atrasadas. Meu corpo falhou. Todo mundo entrava em trabalho de parto, menos eu. Chorei . Chorei. Estava encurralada pelo sistema mais uma vez e ainda tinha que ter a Ava onde eu não queria, uma vez que a indução foi marcada na maternidade. "Tens? Tens mesmo? Por que não entras em contato com o Pedro Hispano e questiona se não podes ser induzida lá?". No dia seguinte, foi a primeira coisa que fiz. Em menos de meia hora recebi um email de resposta: eles me atenderiam a qualquer momento, avaliariam e, se fosse mesmo necessária, fariam uma indução. Era o sinal verde que eu precisava para desenvolver uma nova estratégia. 

Os dias a seguir seriam de exercício contínuo na bola de pilates (o que já era feito desde as 16 semanas), continuidade das massagens perineais para proteger o períneo já meio fragilizado por conta da episiotomia e relaxamento.  Se não entrasse em trabalho de parto espontaneamente até o dia 20 de abril, data em que estava marcada a indução, faltaria, simplesmente não compareceria. No dia 21, iria ao Pedro Hispano para ser avaliada e veríamos o que fazer, se fosse preciso fazer algo. Vale ressaltar que estive sempre bem e a Ava com vitalidade, mexia muito, ou seja, também estava bem, só precisava de tempo.

Chovia muito naquela semana. O tempo não facilitava grandes caminhadas. 19 de abril. 39 semanas e 6 dias. Cólicas muito leves.  O dia seguinte prometia sol. "Vamos fazer a tua sessão amanhã?".  A Diana (já falei dela aqui) andava há meses tentando  marcar para fazer as fotos da gravidez com José e Malu na conta. Nunca dava, o tempo não ajudava. "Vamos, ué". Entretanto, o José tirou as fotos dele, dando continuidade à tradição inaugurada na gravidez da Malu.



20 de abril. Fizemos uma sessão descontraída no dia em que eu deveria ser induzida, no dia em que completava 41 semanas. E conversamos tanto, e rimos tanto. Ela passou a gravidez a ouvir-me, a perguntar, a acompanhar. Foi um apoio fundamental, as palavras certas nos momentos certos. Despedimo-nos a chorar. Lágrimas de boas energias, de quem realmente torce. Nós as duas sabíamos a importância que esse parto e a forma como seria conduzido tinham e viriam a ter. Passei o resto do dia caminhando. O sling que vinha da Polônia chegou. Fui buscar a Malu na creche. Mais algumas cólicas leves.





Dia 21. Fomos ao Pedro Hispano. Tudo tal e qual às semanas anteriores, o rolhão mucoso a sair em maior quantidade, "o que é sempre bom sinal", segundo a médica que me atendeu. Ela queria já internar-me para uma indução, eu recusei. "E então, o que você quer fazer? A decisão é sua". "Doutora, eu quero tentar o descolamento das membranas". O famoso toque maldoso, o mesmo que me tinham feito sem consentimento há uns anos. Não deixa de ser uma forma de indução, é verdade, mas se ela não estivesse pronta para nascer o corpo não responderia. "Eu quero tentar e ir para casa. Se amanhã as coisas continuarem na mesma, logo se vê". Ela não pareceu muito convencida. Se estava há 2 semanas "estacionada", o que poderia mudar em um dia? Talvez, racionalmente, nem eu estivesse muito convencida, mas fiz o que achava que deveria. Algo me dizia que aquele era o caminho. "Agora vá andar. Se quer que a manobra surta efeito, vá caminhar". Vim para casa, lavei a cozinha, a sala, fartei-me de esfregar o chão. Fiz agachamento, básculas na bola de pilates. Fui aos correios buscar uma encomenda, buscar a Malu na creche, sempre caminhando. Estava exausta e ainda não sentia nada que não sentisse antes.

(Continua)

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Segunda gravidez: o que teve/tem/vai estar tendo

Eu não sei quem é mais cara de pau: eu, que apareço aqui uma vez a cada 6 meses, ou vocês, que ainda me dão crédito, continuam aí passando cartão. Ok, ok, a cara de pau sou eu. Assumo. Não prometo que vá deixar de ser, mas assumo. Qualquer dia desses vou fazer um print de todos os posts que tenho em rascunho e vocês vão ver que não faltou amor nem assunto. Um dia aquele limbo deixa de existir

Hoje cheguei mais cedo ao trabalho e pensei POR QUE NÃO? Por que não atualizar o meu blog antes de passar o resto de dia mergulhada em planilhas do Excel? Como estou no lado "+" da minha bipolaridade gestacional, dormi provavelmente só umas 5 horas por não encontrar posição de jeito e já apanhei até chuva de granizo, vou ser menos cubista e mais realista, menos Mário de Sá Carneiro, mais José Luis Peixoto, menos Clarice Lispector, mais Foucault. Não, pera...

Há uns 3 meses, contei em um post caetanizado duas coisas importantes dentro do meu mundinho às vezes não tão caetanizado assim: 1) Malu tinha desmamado no mês em que completou seus 2 anos e 2) Estava eu prenhe, expectante, "cheia", redonda. Grávida pela segunda vez. Muito cômico foi acompanhar os diversos tipos de reações que a segunda notícia gerou. Por mais que uma pessoa seja categórica em afirmar que a gestação foi planejada, desejada, não adianta, para o resto do mundo foi acidente. Escapou, aconteceu, não era para agora, falhou a pílula, foi descuido. Mas eu entendo...quem planeja ter filho com quase 3 anos de diferença? E pior: quem planeja ter um filho com 99% de chance de nascer sob o signo de Áries? :O  Houve também a manifestação daqueles que provavelmente falavam em nome da Comissão em Defesa do Filho Único: "Mas vão parar por aí, né?" "NOSSA, MAS ESSA NARUNA...Diz a ela pra ligar aquelas trompas, peloamordedeus!". Desculpa decepcionar, gente, mas olha que chatice, o útero é meu. Que coisa, hein? "MAS NARUNA, CRIAR FILHO NÃO É FÁCIL NÃO!" Desculpa decepcionar outra vez, agradeço a preocupação aí, vlw flw, porém estou parindo Mateus e balançando.




Se eu sempre lidei bem com essas "opiniões"? Não. A princípio, fiquei um bocado desestabilizada. Queria carinho, sorrisos, afeto, bençãos e recebi julgamento, desconfiança. O que me valeram foram os abraços físicos e em forma de palavras que vieram de quem realmente importa. O apoio necessário para que eu voltasse para o eixo. 

A notícia espalhando, a gravidez avançando, os sintomas aparecendo...

Teve enjoo? TEVE. DE NOVO. 
Teve aquele mau humor do capeta? TEVE E VAI ESTAR TENDO.
Teve falta de afeto pelo primeiro trimestre? TEVE. MUITA.
Teve barriga de "tá gorda ou tá grávida"? TEVE.
Teve gente achando que sabia tudo de gravidez, que já tinha visto esse filme e depois se convencendo que não sabe de nada porque cada gestação é única? TEVE.

Contamos agora com 26 semanas e é tudo muito igual, mas tudo muito diferente. Quem acompanha a nossa página do Facebook já teve uns insights: rolou emoção igual ao ouvir os batimentos pela primeira vez, rolou emoção igual ao sentir os movimentos pela primeira vez. É curioso, você já passou por aquilo, mas é outra pessoa, caramba! Você já fabricou e pariu um ser e está fabricando outro. OUTRO NOVINHO EM FOLHA! Quando essa minha ficha caiu, em um fim de semana qualquer, estava eu no carro e fui tomada por uma onda louca de "Yes, I can", até a respiração acelerou do nada. "PUTZ, EU ESTOU GRÁVIDA! EU ESTOU GRÁVIDA!".

De negativo, nesta segunda experiência (cof cof) eu tenho um hipotireoidismo por tireoidite de Hashimoto, falta de tempo para curtir mais as fases todas por causa do trabalho, cansaço e dores extras por causa de 13,5kg de Malu que têm pedido colo mais que habitualmente. Para quem não sabe, o hipotireoidismo é mais "dramático" em termos de fertilidade e gravidez do que o hipertireoidismo. Se não estiver sob controle, tem sintomas bastante desagradáveis como depressão, esgotamento, alteração drástica dos ciclos menstruais (causando uma infertilidade), queda na produção de leite durante a amamentação e abortos espontâneos. Durante a gestação, é preciso fazer um acompanhamento rigoroso do TSH e do T4 e ajustar a medicação assim que for identificada alguma alteração das taxas, sob pena de danos cerebrais ao bebê e complicações para a mãe. Felizmente, tudo tem corrido bem desde o princípio porque eu já vinha sendo acompanhada e medicada antes de engravidar. Mas o fato de saber que existe ali uma doencinha deixa-me muito mais em alerta, sobressaltada.

Depois temos a Malu, que diz que eu tenho um bebê "de vedádi" na barriga. Quando perguntada, ela lá responde que esse bebê é a mana e que vai se chamar Ava. Responder, ela responde, mas saber o que isso tudo significa é outra história. Vamos combinar que até para nós é meio complicado assimilar essa coisa de "de onde vêm os bebês", imagina para alguém que, até há 2 anos e tal, estava no útero. Porém, porém, atualmente, existem questões para ela que só eu posso resolver. Só eu posso vesti-la, só eu posso descer as escadas com ela ao colo (e subi-las também, oh crap...), só eu posso dar banho, só eu posso segurar o brinquedo, só eu posso fazer o prato, só eu posso sentar no chão e brincar. Não adianta surgirem voluntários compulsórios, tipo o pai. "NÃÃO! TU NÃO! A MAMÃ!" Mamã faz, mamã resolve, está morta com farofa a menina mamã. 




Eu disse que não ia fazer textão, mas ficou postão, hein?
Prometo que volto antes da DPP, que é em abril.
Sério. Eu volto.

Ah sim! Com meses de atraso, obrigada pelos comentários carinhosos no post passado que esta ingrata que vos fala não respondeu! Eu lembrei, esqueci, depois lembrei de novo e esqueci, mas obrigada. De coração.






quinta-feira, 24 de setembro de 2015

"Tudo certo como 2 e 2 são 5"

"Meu amor, tudo em volta está deserto.
Tudo certo"


De uns meses para cá, tem sido muito difícil assistir aos telejornais e ver algo bom sobre o mundo. Algo que nos faça ter vontade de seguir em frente. Dá um desânimo, uma tristeza. Ter perfis em redes sociais é basicamente ser bombardeado com o desenrolar do que vemos na televisão e mais a ignorância, o ódio, a incompreensão e o que há de pior em nós, nos outros. Fora disso, bem offline e do meu lado, estão aqueles por quem eu sigo e que fazem acreditar que, afinal, nem tudo está perdido.

Enquanto havia tanta coisa a desabar, a Malu completou 2 anos. Fez um dia de sol como queríamos e lá comemoramos do nosso jeito, meio torto. Para ela, foi mais do que suficiente e isso resume tudo. Essa pequena grande pessoa com quem temos o prazer de dividir os dias só tem 2 anos e já é capaz de tantas coisas. Há dias em que ela é capaz de dar mais do que podemos oferecer em troca. Há dias em que, sobretudo com culpa, esforçamo-nos para corresponder. Há dias em que um simples olhar dela faz-nos lembrar que as preocupações parvas podem ser deixadas de lado enquanto conversamos sobre o dia.


Enquanto havia tanta coisa a desabar, a Malu desmamou. Encerramos o nosso percurso com a amamentação de forma pacífica para ambos os lados. Um dia, ela simplesmente acordou e não pediu para mamar. Os dias seguintes foram iguais. Uma noite, ela simplesmente não pediu para mamar antes de dormir. Os dias seguintes foram iguais. Uma tarde, dormimos juntas e, ao invés de pedir para mamar como sempre fazia, deitou-se por cima do meu peito e foi só. Então eu chorei. Não pelo fim, mas pelo começo. A minha menina não mamava mais e mesmo assim era a minha menina. Trocamos olhares, carinhos, lemos juntas ou ficamos só quietinhas. Não perdemos algo que era só nosso, ganhamos mais ainda. Nunca pensei na amamentação como pertença, laço único e exclusivo entre mãe e filho e sabia que acabaria quando tivesse que ser, seja por que motivo fosse. Apenas fui apanhada de surpresa pela constatação do que eu já acreditava: eu e Malu fomos e somos mais do que a ligação que desenvolvemos durante o período da amamentação. 

Enquanto havia tanta coisa a desabar, eu engravidei. Estou em fase de fabricação de uma nova pessoa, com direito a todos os sintomas possíveis e imagináveis. E não deixo de achar paradoxal decidir trazer mais alguém para este mundo tão errado, tão errante. Talvez seja um bocado ilusório achar que esses seres venham para trazer algo de muito bom para nós e para mais alguém. Talvez seja, estupidamente, ainda ter esperança. Talvez seja, pensando apenas no micro, vontade de multiplicar as melhores coisas que temos feito em conjunto. O bebê2 já era por nós esperado, falado, especulado. E veio. E cá está. 

Enquanto ainda há tanta coisa a desabar, seremos 5. Eu, José, Malu, bebê2 e Meg.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Amor de mãe

Nós não somos obrigadas a amar os nossos filhos. Não nascemos para amá-los. São eles que nos amam desde sempre, incondicionalmente, e não o contrário. Nossas crias são feitas de nós, da mesma matéria, do mesmo material. Conhecem-nos a fundo, por dentro, cada pedaço, cada batida de coração. O som favorito deles até nascerem é um que não conhecemos: aquele que está por baixo da pele. Quando vêm cá para fora, para esse mundo desordenado, desordenador, é a nossa voz a melhor melodia, por mais fora de tom que seja, que esteja. 

Quando eu estava grávida, nunca amei o bebê que tinha na barriga. Amei a gravidez, a barriga, a preparação, a ideia, os movimentos e não me senti culpada por isso. Então a Malu nasceu. Não foi amor à primeira vista, como dizem. Lembro-me de pegá-la, recebê-la no meu peito e não saber o que era suposto dizer. "Oi, filha! Demorou, hein?" foi o que saiu. Não em tom de cobrança pelas 12 horas de trabalho de parto, mas em jeito de "não sei bem o que te dizer agora que acabamos de nos conhecer". Nos dois dias de internamento, estive quase sempre com ela ao colo para lá e para cá. Velava o sono. Tinha uns pés tão pequenos...

Fomos para casa e ainda não era amor. Eu sabia que tinha de protegê-la, não porque tinham me dito, mas porque sabia. Era quase selvagem. Pegavam ao colo e eu estava ali do lado, à espreita, pronta para responder se ela ao menos resmungasse. Se tinha de ir ao banheiro, colocava-a no carrinho e deixava-o mesmo bem à porta. Despachava-me apressada ainda que ela não tivesse reclamado o "abandono". A verdade é que continuava grávida sem estar. Tanta simbiose que, sim, continuávamos a ser um corpo só. Mas ainda não era amor.

Eu não lembro o dia, mas tinha a Malu pouco mais de um mês. Tinha pouco mais de um mês e riu para mim. E eu chorei, chorei, chorei. Ri e chorei mais um pouco. Nesse dia eu soube que era amor, soube reconhecê-lo. Talvez porque ela tenha me dado esse feedback, não sei, mas havia mais em mim que selvageria, mais do que vontade de abocanhá-la pelo pescoço e carregá-la para um lugar seguro, como fazem os felinos aos filhotes. 

Acredito que amor de mãe não nasce com o filho, cresce com ele e é atemporal. A data é indiferente. Esse tipo de relação é também construída. Temos de nos dar espaço e tranquilidade para construí-la. Eles conhecem-nos tão bem e, com o tempo, se nos permitirmos esse tempo, passamos também a conhecê-los. Os meios é que justificam os fins, apesar de os fins não aplicarem-se neste caso. Os fins são sempre começos, são sempre caminho.

Nós não somos obrigadas a amar os nossos filhos. Não nascemos para amá-los. Mas permitimo-nos amar e damos, além de carga genética, o que nem sabemos ter. 

terça-feira, 30 de junho de 2015

"Só eu vejo o mundo com meus olhos"

Do alto dos seus quase 22 meses (whaaaaaaaaat?), a Malu começa a lidar com os seus problemas, que nem sempre (quase nunca) são muito claros para nós. As coisas dão errado e, caramba, haja lágrima para tanta frustração! Ela tenta calçar os sapatos sem sucesso, chora. Quer colocar a toalhita em cima da mesinha sem que essa faça uma única ruga (perfeccionista han!), berra. 

O pior para ela são os bonecos. Ai, esses trastes!  Nunca ficam como ela quer. Fogo! A última foi a Bebé que não conseguia se ajeitar na posição do cão. Mas quem mandou fazerem uma boneca tão pouco rija??? 

Para além da paciência e da habilidade para gestão de crise que estamos a ter que desenvolver, esses episódios cada vez mais frequentes ensinam-nos algo mais. A empatia falta em tudo, falta em todos e a Malu desde que nasceu traz a nossa à tona. Somos forçados a "pensar pequeno" sem que isso signifique mediocridade. Somos forçados a esquecer um pouco o macro, afinal a coisa pega mesmo é no micro. Sem grandes interpretações, sem outras conotações. Apenas a denotação, apenas o que é e não o que seria ou o que será.

Tentamos agir empaticamente com os conflitos dela. E é muito difícil às vezes. Nós, adultos, estamos programados para que nos doa apenas o que é suposto doer, que nos doa apenas quando for insuportável. As pequenas decepções são para serem abafadas, afinal, há tanta gente que sofre mais. Do que podemos reclamar? 

Temos de ser razoáveis. Sim, só a Malu vê o mundo com os olhos dela, mas não custa usarmos os nossos através dos dela. A ela custa muito quando minimizamos os seus dilemas. Aos quase 2 anos, os problemas podem ser muito engraçados, mas para nós, para ela são mesmo graves. E tudo fica muito muito muito mais dramático se os fatores de risco entrarem no jogo. Passo a citar:

- Fome
- Sono
- Rotinas alteradas
- Os três juntos e misturados

Há coisa de duas semanas fizemos o que andam por aí a chamar de "escapadinha/escapadela", aquelas viagens curtinhas de um dia para o outro. A única que não escapou foi a Meg, coitada. Agora façamos as contas: 3 horas e meia de estrada + calor do cão + falta de rotina + ausência de soneca diurna + um pouco mais de calor do cão + entra e sai do carro para deslocamentos + os pais que ainda queriam que ela visse todos os animais dentro de um oceanário. Resultado da equação? O surto mais selvagem de sempre. Nunca conseguirei ser fiel na descrição, mas a Malu parecia um rolo compressor no chão. Rolava para lá, rolava para vá, contorcia-se toda se tentávamos pegá-la ao colo. Gritava, gritava, gritava. As pessoas com aquele ar de julgamento, nós que nunca achávamos a saída. Foi desesperador, claro. Ficamos envergonhados, óbvio. Mas voltando atrás um pouco, percebemos que ela tinha toda razão de ter ficado passada, até nós estávamos moídos.

É um exercício constante isso de percebê-la, de resolver essas questões positivamente. Toda vez que eu consigo evitar que "o vulcão entre em erupção", faço o Freddie Mercury. Tipo assim:



Não, não. É mais assim:



sexta-feira, 15 de maio de 2015

5 vantagens de amamentar um bebê maior que ninguém nunca te contou

Pronto. Lá vem a chata da amamentação com aquele discurso evangelizador dela de que a OMS preconiza o aleitamento materno pelo menos até os 2 anos e blá blá blá. Disso vocês já sabem e cada um toma as suas decisões, inclusive a de não amamentar. Não estou aqui para enfiar LM goela abaixo em ninguém. Sou uma pessoa pacífica, de bem, pouco conflituosa. Maaas, como eu adoro falar sobre esse assunto, achei que ele merecia outro post, talvez com um novo recorte.

Tenho certezinha absoluta que todo mundo conhece os benefícios do leite materno, sabe que a amamentação também reduz as chances da mãe desenvolver um câncer de mama, que pode auxiliar na perda de peso pós-parto, coisa e tal, tal e coisa. Quem amamenta sabe também que nem sempre é fácil. Mesmo que superemos todos os problemas de pega, alergias, intolerâncias, mastites e afins, há sempre aquele dia (ou aqueles dias, semanas) em que estamos um caco, o bebê só quer mamar e o nosso pensamento é "onde é que eu fui me meter?". É um bocado viver na dualidade. Adoramos os momentos de aconchego, mas tem alturas...ai, tem alturas em que só queremos as mamocas para nós. Estou mentindo? Não estou nada porque sei que tem mais gente nesse barco! Ora, não se escondam! Assumam lá!

Por essas e outras, muitas outras, há mães que desistem da livre demanda e da amamentação no geral. O cansaço é extenuante e todos temos formas diferentes de lidar com ele. Depois tem também aquela coisa, bebê crescido é bebê sabido. Eles ganham uma habilidade de sacar a mama fora que nem nós, as donas das ditas cujas, temos. Já viram as situações que podem surgir, não é? As posições contorcionistas que eles escolhem para mamar também são um caso à parte...Fora a nossa própria experiência, têm as vozes da sabedoria. "Ai, ainda mama tão grande? Ai que isso é vício!" "Vai mamar até casar?" "Mas já anda e ainda mama?". Essa última...é de uma cientificidade que comove!

Forças contrárias existem muitas e alguns fatores pesam, como já mencionei. Se você não quer desistir, o melhor a fazer é positivar ainda mais a experiência. Como? Encontrando vantagens mais práticas e menos pragmáticas! A teoria todo mundo tem na ponta da língua, mas quando o calo aperta...Aqui contamos com 20, quase 21 meses da livre demanda e já percebi que posso otimizar o momento da maminha (que ainda não muitos). Então, decidi partilhar esses "plus". Pode ser que ajudem alguém naqueles dias mais punks. Ou que pelo menos faça alguém pensar que existe maluco pra tudo (o que é mais provável, aliás).



1- Transforme no momento do "check up"
Quando querem, os bebês são muito pouco colaborativos. Por isso, aquele momento de tirar a caca do nariz pode ser um tormento. Aproveito para fazer isso quando a Malu está mamando. Nem sempre ela acha bonito, mas ainda é mais fácil do que em situações menos lactíferas. Também confiro as orelhas e o cabelo (que sempre tem algum nó).


2- Dá para aparar as mini-navalhas
Essa foi a que descobri mais recentemente. Andava há 2 dias em uma negociação frequente com a pequena para cortar as unhas, fazendo de tudo para que não houvessem berros. Uma bela tarde, ela chegou da creche, pediu para mamar e lá fui eu com a tesourinha, achando que não ia funcionar. Pois não é que deu certo? Cortei todas, ainda acertei e ela continuou fazendo o que tinha que fazer.


3- É mais fácil tentar um acordo
Muitas vezes, os bebês maiores mamam porque ficam entediados. Lembram-se assim do nada ou sentem certa saudade de nós. Naqueles dias em que estamos com pouca disponibilidade, vale tentar um acordo. Como eles já têm um grande poder de percepção, pode ser que funcione, não recusar, mas negociar. Por exemplo, se a Malu tiver mamado há pouco tempo e pedir de novo, eu digo que a mimi está cansada. Ela pede para dar um beijo (<3 <3 <3) e vai brincar ou fazer outra coisa. Funciona sempre? Não, mas as chances de fazer-me compreender são maiores do que se eu dissesse à Malu com 5 meses que a maminha precisava descansar HAHAHAHA Ela ia entender, ia.

4- É engraçado
Vocês acham que não tem piada nenhuma um bebê grande mamando? Eu acho, gente, principalmente o jeito que eles arranjam de pedir. A Malu, quando quer mudar de um lado para o outro diz: ôta mimi! ôta! Se eu tento enganá-la de uma alguma forma, ela tem que ser mais enfática: cutuca a mama e diz "essa!". A primeira vez que isso aconteceu foi em uma noite particularmente difícil. Ela sentou-se na cama, cruzou os braços e falou altíssimo (tenho certeza que todos os vizinhos ouviram): ÔTA MIMIIIII! Que mau humor resiste à "ôta mimi"? Se nos faz rir, acaba por ser mais prazeroso que desgastante.


5- Se tudo der errado, tire selfies (ou brelfies)
E pronto. Você não conseguiu fazer o check-up, nem cortar as unhas, a criança não quis conversa? Vá tirar umas selfies nesse tempo livre! Aposto como só tem fotos do bebê entupindo a memória do smartphone, não é? Já que tem que ficar sentada ali mesmo esses minutos, vale se permitir " a ousadia". Eu sou adepta, tanto da versão selfie, como da brelfie (que foi o raio do nome que inventaram para as fotos que tiramos enquanto damos de mamar).

Selfie sim, e se reclamar vai ter brelfie também!